terça-feira, 12 de agosto de 2014

Relação entre a igreja maronita do Líbano e o sionismo antes do Estado de Israel

Ao invocar o nome ‘Líbano’ nos dias de hoje, nos vêm a mente imagens de jihadistas fanáticos e enlouquecidos jurando morte a Israel. Mas nem sempre foi esse o caso. De fato, houve uma época em que existiu uma forte tendência pró-sionismo dentro da Igreja Maronita do Líbano (a maior e mais poderosa comunidade religiosa de então). O movimento foi liderado pelo patriarca maronita Pierre Antoine Arrida e pelo arcebispo Ignace Mubarak de Beirute. A união era natural, já que ambos os grupos eram minorias religiosas numa região hostil dominada por muçulmanos.

Tudo começou quando a Igreja se aproximou da agência judaica e um pacto foi formado (que deveria ser mantido em sigilo, para não despertar a ira dos muçulmanos). A postura da Igreja não refletia um consenso de opiniões entre a população cristã – o partido Falange, fundado por Pierre Gemayel, não apoiou a criação do Estado de Israel principalmente por causa de preocupações econômicas. O partido também não apoiava os isolacionistas da Igreja que queriam criar um Estado cristão independente no Monte Líbano e em seus arredores. 

PRIMEIROS ENCONTROS
 O primeiro encontro entre os colonos judeus e libaneses foi sob circunstâncias infelizes. Durante a guerra maronita-drusa de 1860 – que teve os drusos com vitoriosos e os maronitas como vítimas de grandes massacres – os libaneses, em desespero, se voltaram para a Europa em busca de ajuda. As duas primeiras personalidades europeias a responder foram Sir Moses Montefiore, um abastado líder judeu londrino, e Adolph Cremieux, um ilustre estadista francês também de origem judaica. Montefiore garantiu que a situação dos maronitas receberia cobertura de destaque no periódico ‘Times’ de Londres e criou um fundo, com seus próprios recursos, para ajudar os sobreviventes. Já Cremiuex teve papel fundamental no envio das tropas francesas para o Líbano. A intervenção francesa acabou por salvar os cristãos e levou a criação de um terrotório controlado por maronitas chamado Mutasarifiya.

ASSISTÊNCIA JUDAICA AOS CRISTÃOS DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
 Mais tarde, na sequência da Primeira Guerra Mundial, as hostilidades entre muçulmanos xiitas e cristãos maronitas chegaram a seu ápice. A maioria dos habitantes das aldeias cristãs atingidas (entre elas Deir Mimus, Majaryoun, Jedida e Abel al-Kumh) fugiu, e muitos terminaram na cidade de Sidon, famintos e miseráveis. Pinchas Na'ama, que trabalhou para a Agência Judaica nas comunidades judaicas do Levante, enviou uma mensagem urgente a seus superiores em Jerusalém solicitando fundos emergenciais para assistir os refugiados cristãos. Os refugiados foram alimentados e vestidos e seus filhos foram admitidos na escola judaica em Sidon. 

Esses atos filantrópicos foram lembrados anos mais tarde pela Igreja Maronita e acabaram por causar um grande impacto em suas opiniões e atitudes para com a comunidade judaica e o Estado de Israel.


Palavras do patriarca Arrida em um discurso na sinagoga de Beirute, em 1937:

"Os judeus não são apenas os nossos antepassados, mas nossos irmãos. Nossa origem é a mesma, a nossa língua é quase comum e nosso pai é o pai deles. Estamos orgulhosos de pertencer à mesma raça. Devemos tudo ao judaísmo, os nossos ensinamentos são tirados de sua lei sagrada. Nossa fé é semelhante. Nós amamos o mesmo Deus e amamos Jerusalém tanto quanto eles. Nós queremos, sinceramente, que nossa relação com eles seja constante e que renda muitos frutos. Nos ajudamos uns aos outros e desejamos, com todo nosso coração, que Deus liberte os judeus das opressões e perseguições de que são vítimas. Nós manifestamos nossos mais sinceros votos de paz e tranquilidade aos judeus, porque sentimos o quão sincero e precioso é o seu amor por nós."

Arrida também esteve envolvido em esforços de salvamento dos judeus alemães após a ascensão de Hitler ao poder naquele país. Ele e outros líderes cristãos libaneses sugeriram a idéia de permitir a entrada desses judeus no Líbano.

Dez anos mais tarde, quando a demanda por um Estado judeu foi ganhando força, a ONU criou uma comissão especial para examinar a viabilidade de estabelecer esse estado. Segue abaixo odepoimento do arcebispo Mubarak em frente da comissão UNSCOP:

Beirute, 5 de agosto de 1947

Senhor presidente:

Lamento que a minha ausência na Europa coincidiu com a visita da Comissão Especial sobre a Palestina, caso contrário eu teria tido a oportunidade de expressar minha opinião - que é, aliás, a da maioria do povo libanês - com relação a esta questão.

Esta não é a primeira vez que expresso minha opinião sobre este assunto. Muita tinta já foi gasta e, depois de cada uma das minhas denúncias, a imprensa mundial tem aproveitado as minhas palavras e feito diversos comentários sobre tudo o que disse.

Aqui no Oriente Médio – que é em sua maioria muçulmano – se o atual governo libanês for reconhecido como tendo um direito oficial para falar em nome da nação libanesa, nos sentiremos obrigados a responder e a provar que os atuais governantes representam apenas a si mesmos e que as suas chamadas “declarações oficiais” são ditadas apenas pelas necessidades do momento e por uma solidariedade imposta neste país eminentemente cristão, graças as suas ligações com os países islâmicos que o cercam por todos os lados e que o mantém em sua órbita político-econômica.

Em razão de sua posição geográfica, história, cultura e tradições, da natureza de seus habitantes e de seu apego a sua fé e a seus ideais, o Líbano tem sempre, mesmo sob o jugo otomano, se mantido longe das garras das outras nações que o rodeiam e tem conseguido manter sua tradição intacta.

Por outro lado, a Palestina, o centro ideológico de toda a Bíblia, sempre foi vítima de todas as dificuldades e perseguições. Desde tempos imemoriais, qualquer coisa com qualquer significado histórico sempre foi saqueada, pilhada e mutilada. Sinagogas e igrejas foram transformadas em mesquitas e, não sem razão, a importância dessa parte ao leste do Mediterrâneo foi reduzida a nada.

É um fato incontestável que a Palestina foi a casa dos judeus e dos primeiros cristãos. Nenhum deles era de origem árabe. Pela força brutal da conquista eles foram forçados a se converter a religião muçulmana, e é essa origem dos ‘árabes’ naquele país. Pode-se deduzir daí que a Palestina algum dia foi árabe?

Vestígios históricos, monumentos e lembranças sagradas das duas religiões permanecem vivos como evidência do fato de que este país não esteve envolvido na guerra entre príncipes e monarcas do Iraque e da Arábia. Os lugares santos, os templos, o Muro das Lamentações, as igrejas e os túmulos dos profetas e santos e todas as relíquias das duas religiões são símbolos vivos que, por si só, invalidam as declarações agora feitas por aqueles que têm interesse em fazer da Palestina um país árabe. Incluir a Palestina e o Líbano no grupo de países árabes é negar a história e destruir o equilíbrio social no Oriente Médio.

Estes dois países, estas duas pátrias, provaram até agora que suas existências como entidades separadas e independentes são úteis e necessárias.

O Líbano, antes de tudo, sempre foi e continuará sendo um santuário para todos os cristãos perseguidos no Oriente Médio. Foi lá que os armênios que escaparam do extermínio na Turquia encontraram refúgio. Foi lá que os caldeus do Iraque encontraram um lugar seguro quando foram expulsos de seu país. Foi lá que os poloneses, numa Europa em chamas, se refugiaram. E foi lá que os franceses, forçados a fugir da Síria, encontraram proteção. Foi lá que as famílias britânicas da Palestina, fugindo do terrorismo, encontraram refúgio e proteção.

O Líbano e a Palestina devem continuar a ser o lar permanente das minorias.

E qual foi o papel dos judeus na Palestina? Considerando sob este ângulo, a Palestina de 1918 parece-nos um país árido, pobre, despojado de todos os recursos e o menos desenvolvido de todos os vilarejos turcos. A colônia muçulmano-árabe vivia no limite da pobreza. A imigração judaica começou, as colônias foram formadas e estabelecidas e, em menos de vinte anos, o país foi transformado: a agricultura floresceu, grandes indústrias foram estabelecidas e a riqueza veio para o país. A presença de uma nação tão bem desenvolvida e laboriosa ao lado do Líbano não poderia deixar de contribuir para o bem-estar de todos – o judeu, que é um homem de habilidade executiva prática, e o libanês, que é altamente adaptável e, por essa razão, sua proximidade viria para melhorar as condições de vida dos habitantes.

Do ponto de vista cultural, estes dois países podem se gabar de ter tantos intelectuais e pessoas cultas quanto todos os outros países do Oriente Médio somados. Não é justo que a lei deva ser imposta por uma maioria ignorante desejosa de impor sua vontade.

Não seria justo permitir que um milhão de seres-humanos evoluídos e educados sejam joguete de poucas pessoas que, eventualmente, estejam no comando e que liderem alguns milhões de ignorantes involuídos que ditam a lei como bem entendem. Existe uma ordem no mundo, uma ordem que estabelece o equilíbrio adequado. Se as Nações Unidas estão realmente desejosas de manter essa ordem, elas devem fazer todo o possível para consolidá-la.

As principais razões de natureza social, humanitária e religiosa exigem a criação, nesses dois países, de duas pátrias para as minorias: um lar cristão no Líbano, como sempre houve, e um lar judaico na Palestina. Estes dois centros, ligados um com o outro geograficamente e se apoiando e ajudando economicamente, farão a ponte necessária entre o Ocidente e o Oriente, a partir do ponto de vista da cultura e civilização. As relações de vizinhança entre estas duas nações contribuirão para a manutenção da paz no Oriente Médio, que é tão dividido por rivalidades, e vai diminuir a perseguição de minorias, que sempre encontrarão refúgio nestes dois países.

Essa é a opinião dos libaneses que eu represento e é a opinião deste povo que a sua Comissão de Inquérito foi incapaz de ouvir.

Por trás das portas fechadas do Hotel Sofar vocês só foram capazes de ouvir as palavras ditadas aos nossos chamados ‘representantes legais’ pelos donos e senhores dos países árabes vizinhos. A voz real dos libaneses foi sufocada pelo grupo que falsificou as eleições de 25 de Maio.

O Líbano exige a liberdade para os judeus na Palestina – da mesma forma que deseja a sua própria liberdade e independência.

Tenho a honra de ser, etc,

(assinado) Ignace Mobarat (Mubarak)

Arcebispo maronita de Beirute.



Original:

ARCHEVECHE MARONITE de Beyrouth 

Beyrouth, le 3 Août 1947. 

A Monsieur le Juge Sandstrom 

Président de la Commission d'Enquête de l'U.N.S.C.O.P. 

Genève, Suisse. 

Monsieur le Président, 

Je regrette que mon absence [pour cause de voyage] en Europe ait coïncidé avec le passage de la commission d'Enquête sur la Palestine au Liban, sinon il m'aurait été donné de faire entendre ma voix et de donner mon avis qui est d'ailleurs celui de la majorité des Libanais sur cette question. 

Ce n'est pas la première fois que j'exprime mon opinion sur cette affaire. Beaucoup d'encre a été déjà versée et, après chacune de mes réclamations, la presse mondiale s'en est saisie et a suffisamment commenté tous mes dires. 

Dans ce Moyen-Orient, à majorité musulmane, si on reconnaît au Gouvernement Libanais actuel un caractère officiel pour s'exprimer au nom de la Nation Libanaise, nous serions disposés à répondre et à prouver que les maîtres de l'heure ne représentent qu'eux-mêmes et que leurs déclarations, soi-disant officielles ne sont dictées que par les nécessités du moment et par la solidarité imposée qui lie ce pays à majorité chrétienne aux autres pays islamiques qui l'entourent de tous les côtés et l'englobent malgré lui, dans leur orbite politico-économique. 

Le Liban, de par sa situation géographique, son histoire, ses cultures, ses traditions, le caractère de ses habitants et leur attachement à leur roi et leur idéal, s'est toujours dérobé, même sous le joug ottoman à l'emprise des autres peuples qui l'entourent et a réussi à maintenir ses traditions intangibles. 

La Palestine par contre, centre idéologique de toute la propagation du vieux et du nouveau testament, a été l'objet de toutes les vexations et de toutes les persécutions. De tout temps, tout ce qui peut rappeler un souvenir tant soit peu historique à été saccagé, pillé et mutilé. Des Temples et des Eglises ont été transformés en Mosquées et le rôle de cette partie Orientale de la Méditerranée a été réduit à néant, et pour cause. 

Historiquement il est indéniable que la Palestine a été la patrie des Juifs et des premiers chrétiens. Aucun d'eux n'était d'origine arabe, La force brutale de la conquête les a réduits et astreints à se convertir à la religion musulmane. Voilà l'origine des arabes dans ce pays. Peut-on déduire de là que la Palestine est arabe où quelle fut toujours arabe? […] 

Les vestiges historiques, les monuments, les souvenirs sacrés des deux religions demeurent là vivants pour attester que ce pays a vécu en dehors des guerres intestines arabes que se livraient les princes et monarques d'Irak et d'Arabie. Les lieux saints, les Temples, le mur de lamentation, les Eglises et les tombes des Prophètes et des Saints, en un mot, tous les souvenirs des deux religions sont des symboles vivants qui infirment à eux seuls les assertions présentes de ceux qui sont intéressés à faire de la Palestine un pays arabe. Englober la Palestine et le Liban dans la cadre des pays arabes, c'est renier l'histoire et détruire l'équilibre social dans le Proche Orient. 

Ces deux pays, ces deux foyers prouvent jusqu'à aujourd'hui l'utilité et la nécessité de leur existence, comme entité séparée et indépendante. 

Le Liban d'abord a toujours été et demeure le réduit [= refuge] de tous les persécutés chrétiens du Moyen Orient. C'est là que les arméniens exterminés en Turquie ont trouvé refuge. C'est là que les Chaldéens d'Irak pourchassés de leur pays ont trouve asile. C'est là que se réfugièrent les polonais traqués de l'Europe en feu. C'est là que les Français refoulés de Syrie s'y sont trouvés en sécurité. C'est là que les familles anglaises de Palestine fuyant le terrorisme ont reçu le gîte et l'abri. 

Le Liban comme la Palestine devront demeurer les foyers permanents des minoritaires. 

Quel a été le rôle des juifs en Palestine ? Etudié sous cet angle, la Palestine de 1918 nous apparaît comme un pays aride, pauvre, dénué de toute ressource et le moins évolué de tous les vilayets turcs voisins. La colonie musulmane arabe qui y habite frise la misère. L'immigration juive commence, des colonies se forment et s'établissent, en moins de 20 ans le pays est transformé: c'est la prospérité dans les cultures, l'installation des grandes industries, c'est la richesse qui s'installe dans ce pays. La présence, à côté du Liban, d'un peuple si évolué et travailleur ne peut que contribuer au bien être de tous. La juif est réalisateur, le libanais est très enclin à l'adaptation, c'est pourquoi ce voisinage ne pourra que servir à I'amélioration de toutes les conditions d'existence des habitants. 

Au point de vue culturel, ces deux peuples peuvent se vanter de posséder, à eux seuls, autant de [personnes] cultivé[e]s et d'intellectuels que tous les pays réunis du Proche-Orient. Il n'est pas juste que la LOI soit imposée par une majorité ignare qui veut imposer sa volonté. Il ne serait pas juste qu'un million d'[êtres] humains évolués et instruits soient le jouet de quelques personnes intéressées se trouvant à la tête ou menant quelques millions d'individus arriérés ou peu progressifs et faisant la LOI comme Ils le désirent, Il existe un ordre dans le monde. C'est cet ordre qui l'équilibre. Si les Nations Unies ont à coeur de le maintenir, ils devront mettre tout en oeuvre pour le consolider. 

Des raisons majeures, sociales, humaines et religieuses exigent qu'il soit créé dans ces deux pays, 2 foyers pour minorités. Foyer chrétien au Liban, comme il l'a toujours été; foyer juif en Palestine. Ces deux centres se reliant géographiquement l'un à l'autre, s'appuyant et s'entr'aidant économiquement formeront la pont indispensable entre l'Occident et l'Orient, [que ce] soit au point de vue culturel, [ou que ce] soit au point de vue civilisateur. Le voisinage de ces deux peuples contribuera à maintenir la paix dans ce Proche-Orient si divisé par les rivalités et réduira les persécutions des minorités, qui trouveront toujours un asile dans l'un de ces deux pays. 

Voilà l'opinion des Libanais que je représente, voilà l'opinion de ce peuple que votre Commission d'Enquête n'a pu entendre. 

Derrière les volets clos de l'Hôtel de Sofar, vous n'avez pu écouter que les paroles dictées à nos représentants, soi-disant légaux, par leurs maîtres et Seigneurs des pays arabes musulmans voisins. La véritable voix libanaise a été étouffée par la horde des faussaires des élections du 25 Mai. 

LE LIBAN RECLAME LA LIBERTE POUR LES JUIFS EN PALESTINE - COMME IL SOUHAITE SA PROPRE LIBERTE ET SON INDEPENDANCE. 


Avec ma très haute considération, 

(Signé) Ignace Mobarat [lire : Mubarak] 

Archevêque Maronite de Beyrouth

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